Catarse(...)1. Purgação, purificação, limpeza. (...) 3.Psicol. Efeito salutar provocado pela conscientização de uma lembrança fortemente emocional e/ou traumatizante, até então reprimida. 4. O efeito moral e purificador da tragédia clássica, conceituado por Aristóteles, cujas situações dramáticas, (...), trazem à tona o sentimento de terror e piedade dos espectadores, proporcionando-lhes o alívio, ou purgação, desses sentimentos.(...) Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1986)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Nova infância

A menina vivia naquela cidade há alguns anos. Foi acompanhar seu pai, que decidira mudar de vida e investir em novos empreendimentos.

Em seguida, mudou-se também a sua mãe. Desde então, apesar de viverem em endereços diferentes, moravam na mesma cidade.

A menina era muito feliz e encontrara uma enriquecedora diversidade de amigos. Isso sempre foi motivo de orgulho para aquela menina que não tinha irmãos.

Aprendeu a viver a uma certa distância do restante da família. Ela supunha saudável esse afastamento, porque aprendera em textos de psicologia que o convívio familiar fortalece papéis os quais se pretende alterar.

A menina sentiu na pele essa dicotomia. A importância de ter uma família que afaga, que protege, que alimenta a alma de amor fraternal. E a necessidade de se romper paradigmas, de se recriar, de redescobrir-se.

Ela já não era tão menina, nem tão moça. Mas aprendera que as contradições são inerentes à vida, ao se humano, ao amor. E que a distancia lhe doía, mas lhe permitia uma euforia única quando a vida lhe oferecia os reencontros.

E nesses momentos curtos e intensos com a sua grande e tumultuada família, ela podia ser apenas aquela menina...

sábado, 16 de outubro de 2010

Recolho-me entre lençóis brancos e macios.
Aprecio o silêncio.
Inspiro profunda e lentamente.
E antes do fim do suspiro, adormeço só.

sábado, 18 de setembro de 2010

Saboreio o verde desse vinho gelado. Leve e seco. Preparo meu paladar para encontrar-te. Sei que estás desprevenidamente sonolento. Lendo qualquer coisa sem importância enquanto esperas pela minha companhia para dormirmos inocentes, como adormecem os grandes amores após superados o fogo da paixão.

Planejo surpreender-te em doces beijos temperados pela uva. Beijos doces, prolongados, suaves, gentis, leves, secos e açucarados.
Pretendo lembrar-te do que mais há entre nós, além da pacífica cumplicidade. Desejo assinar embaixo de um texto apaixonado, escrito a suor e sussurros. Anseio gritar ao pé do seu ouvido, que em nosso amor fraternal e eterno ainda arde um não sei o quê impublicável.

Daqui donde escrevo das mais diversas coisas, que cruzam a minha mente inquieta, te vejo entre as “entreportas” do nosso canto chamado lar. As frestas delimitam tua figura em pedaços. E eu as amo. Apaixono-me por suas partes. Por cada uma delas me envolvo de sentimentos. E assim, de pouco em pouco, me entrego a ti por inteiro.

domingo, 12 de setembro de 2010

A essas horas eu aguardo o seu chamado. Mas o silêncio é ensurdecedor. Não há chamadas. Não há você.
Não sinto saudades. Sinto desejo. Expectativa pelo desconhecido. Estou tranquila numa varanda, ao balançar da rede. O sol se põe vermelho, o calor é suavizado com a brisa que acompanha o crepúsculo. A noite chega escura. As estrelas e a lua iluminam, parcialmente, a trilha se seguir.
E o percurso se define a cada passo. Sem mapa, sem bússola, sem destino. Apenas o desejo de seguir, se permitir, se decobrir...

sábado, 28 de agosto de 2010

Foi apenas um encontro. Rápido. Poucas foram as palavras. Apropriadamente reservadas, deixaram que a comunicação fluísse pelo olhar e pelo toque.

Foi bom sentir você. Mas o despertador, sempre teimoso, me arranca dos meus desejos. Inconveniente, como lhe é próprio, me grita aos ouvidos que a realidade está a me chamar.

domingo, 22 de agosto de 2010

Realismo em carne viva

Ele estava magoado. Aconchegou-se entre os travesseiros, e mantinha as pernas guardadas entre seus braços. Buscava por uma posição que já sabia impossível retomá-la ainda nessa vida. Mas naqueles dias difíceis a busca pelo inalcançável lhe parecia uma saída. A única.

Doía-lhe tudo. Mas se um médico lhe perguntasse, não saberia dizer se alguma dor de fato existia. Não era possível ao menos se reconhecer vivo. Aquele corpo ali encolhido, diminuído a tal ponto, que talvez já nem mesmo existisse.

Perguntou-se se havia mesmo motivo para toda aquela dor.

Se por um lado, naquele corpo não havia mais vida, aquela mente ainda pulsava, e o coração ardia. E como ardia!

A carne já não reagia. Mas viver transcende as reações do corpo. Pensar é o pulso da vida. E sentir é fruto do que se pensa. Isso o levava a crer que seu viver andava mesmo de mal a pior. É que seu pensar fazia doer uma dor de morte. E morrer de dor de amor é reincidir na morte a cada suspiro de vida.

Centrou-se de novo na carne desfalecida, flácida, encolhida. Aquela massa desenhava uma escultura. A inexpressividade das formas era tamanha que causaria coquetéis de sentimentos em quem as vissem.

Mas aquilo não era a obra de um escultor sensível. Era o seu corpo, ainda vivo. Era a sua própria carne. Ferida exposta. Era a sua dor sintetizada, intensificada, inexpressivamente expressa. Exposta à sua própria existência.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ser humano. Ser engano. Seduzindo. Seduzido. Ressentido. Perdoando. Magoado. Perdoado. Encabulado. Emaranhando. Aproximando. Evacuando. Extasiado. Molhado. Partido. Moído. Ferido. Ferindo. Sentindo. Se redimindo. Reconstruindo. Servindo. Ser lindo. Ser pleno. Sereno. Ser humano.

domingo, 1 de agosto de 2010

Contraponto

Ela tinha olhos doces e da cor azul piscina;
Ele Tinha olhar rude da cor da escuridão;
Ela falava em tom suave, e com teor adocicado;
Ele quase não falava, e quando abria a boca, dizia o necessário e suficiente;
Ela zanzava entre as flores, como se andasse em nuvens, e vestia tecidos leves, com cortes esvoaçantes;
Ele... Quase não se via a pé, sempre sobre um cavalo negro, e sob o chapéu de couro.
Vez por outra, o destino cruzava-lhes os olhares, e ela virava fera, silenciosa, objetiva, obstinada, e ágil; E ele anoitecia em um suave sorriso adocicado.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sonhar é bom

A sua mão agia rapidamente sacando-me as vestes. Mas seu olhar, sempre mais ágil, já havia me despido a alma, tornando-me miseravelmente vulnerável.
Minha pele encharcava-se em sal. Meu olhar zanzava, em teimosa tentativa de acompanhar seus movimentos e fitar-lhe os olhos, e tocar-lhe o ser.
Inútil. Não podia mais dominar qualquer movimento meu. Respondia a todos os seus comandos silenciosos, e sorria. Não havia mais razão. Nenhum conceito existia, era só o sentir, o deixar-se ir.
Mas por um segundo seus olhos fixaram os meus. Não havia mais corpos, mãos, sorrisos, nada. Pressenti as palavras saindo de sua boca, e, antes que dissesse “te amo!”, o despertador gritou “seis e meia”.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Hoje recebi a sua carta. Senti uma profunda dor ao ler tudo que você não escreveu. Meu coração soletrou palavra por palavra, como um mantra em Déjà vu. Você parecia partir repetidas vezes, enquanto eu reiterava a dor de quem fica em prantos.

As lágrimas se romperam. Na tentativa de transgredir a dor, me pus a pensar-me um mito. E se assim eu fosse, teria me convertido em rio e levado aquela magoa até o mar, onde me diluiria em sal e me quebraria em ondas.
Mas sou eu de carne e osso, e me desdobro em faces para apaziguar a alma e caminhar mais leve.

Mais uma vez segui meus rituais. Li e reli cada palavra. Reiterei a despedida, a dor, a saudade, a mágoa, a raiva, o ódio, a dor de novo, a saudade, a falta de ar, a falta do chão, mais raiva, lágrimas, o retorno do ar, um pouco de mágoa, a saudade, o chão, dor, ar, ar, ar, chão, paz...

O peito ainda aperta. O envelope guarda as flores e o conteúdo cheio de carinho e agradecimento. Na gaveta encontra-se tudo, a dor que nego para seguir a vida, e a paixão subtraída por sentimentos nobres e palavras doces.
Do lado de fora, ando em plumas, com um silêncio de quem deseja chamar-te a atenção.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

À espera do inesperado...

A paixão não manda cartas, email, ou faz telefonemas dando aviso de chegada. Não bate à porta. A paixão é assim, sem modos, invasiva. Não diz ao menos ao que veio, não traz promessas, nem cronograma de duração.
Essa coisa arrebatadora parece até coisa de Deus. Quebra nossas pernas, coloca-nos de quatro, entregues, desarmados. Apaixonar-se é método inebriante de tornar-se consciente da própria humanidade, e de sua inexorável vulnerabilidade.
Talvez seja coisa do Diabo. Que nos seduz, envolve, encanta. Capaz de nos tirar do prumo, do bom senso, de nos arrancar os valores e nos despir da moral.
A paixão pode acender velas, aumentar a lua, brilhar estrelas, dançar o corpo, correr os pés, tocar a pele, cheirar aromas, lamber a língua, olhar os olhos...
A paixão é irreverente, livre, autêntica, e, notadamente pertinaz. Só vai quando quer; também só chega quando bem entende...

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Choque de auto conhecimento, em lamento.

Há preços que se paga em deleite. Cada moeda que se tira do bolso vale como um múltiplo gozo.

É estranho como me causa certo asco me ler em frase tão feia. Mas sou eu assim, tão humana e tão ressentida por certas humanidades alheias. Tão enojada das atitudes hipócritas, mesmo que me veja merecedora delas. Mesmo que me reconheça sujeito de muitas delas.

Há cenas que me causam estranheza porque não as consigo dominar com a minha pureza de espírito. São cenas capazes de me escancarar a alma, e a capacidade que tenho de ser vil, estranha, superficial, medonha.

De tudo isso, sobra uma boa impressão de mim mesma. Da minha inabilidade de lidar com o que há de tão ruim em mim, fica a exposição de que no fundo sou pessoa boa. Ou que, intimamente, desejo assim ser.

Agora não me importa mais o que é real, ou que seja mesmo de fato. Trato de coisas que senti. E não foram boas. Foram feias. Coisas que já me pareceram tão belas, e agora, em confusão expressa na face, desdenho, me desfaço, descarto. Em síntese, lamento muito.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Em paz coma própria esquizofrenia...

Eu e ela convivemos sobre o mesmo teto, sobre as mesmas sombras, entre as mesmas crises.
Eu e ela somos mulheres, somos vividas, somos de idas e vindas.
Eu e ela somos a mesma alma, os mesmos olhos, a mesma voz grave e desafinada.
Somos fragmentos de uma só pessoa. Mas há horas em que ela sabe mais de mim, e noutras, sinto prazer em me reconhecer nela.
Ando em paz comigo e o “comigo” anda em paz com ela, e em paz com todas as outras manifestações de mim, que se pluralizam no decorrer de minha vida.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Covardia

A porta entreaberta cutucou minha curiosidade. Aproximei-me devagar e espiei cuidadosamente o interior daquela vida.
Embora desejasse entrar, fugi.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Palavras, soltas, ligadas

(Republicação - Casa no Campo em 02/04/2008 http://www.casanocampodacabral.blogger.com.br/)

Eu sinto
Sente
Sinta
Pressinta
Persista
Não desista
Me liga
Me ama
Me chama
Me clama
Reclama
Declama
Na cama
Com cana
Só Ana
Desanda
Desata
Engata
Enlaça
Me laça
Se lança
Se liga
Me liga
De novo
Me ama.

domingo, 27 de junho de 2010

A lua cheia ilumina o quarto vazio. O frio do inverno denuncia a falta de calor humano. E a perspectiva de que algo pode acontecer, qualquer coisa, é brasa que promete labareda.
Por enquanto, apenas expectativas, desejos, possibilidades.
De palpável, um travesseiro macio, uma colcha grossa, uma taça de vinho barato, um ou dois livros já lidos à metade, e a janela desenhada pela Lua. Fica a deliciosa conclusão de que a solidão é também cheia de graça.

sábado, 19 de junho de 2010

Dizem tanto sobre a vida em frases de efeito que me fazem todo o sentido. Mas o sentir da vida muda, e tais versos tomam proporções tão distintas, a depender do momento de um mesmo dia em que se lê, ou se escuta.

A vida pode expressar-se rica e divertida. Por vezes, a própria dor em recordação parece-nos ingênua, doce, e engraçada.

Mas a vida, enquanto dor, no momento em que é doída, confunde-se com a morte.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A meu filho, parabéns pelos 18 anos! Com amor...

Há dezoito anos eu era uma menina e me acreditava mulher. Acordei meu companheiro sentindo uma Leve cólica, que já não sentia desde o início daquelas trinta e seis semanas desconcertantes. Era quinze de junho de mil novecentos e noventa e dois.

O dia era de sol e, embora fosse junho, não fazia tanto frio. As dores pioravam lentamente ao longo do dia. Às 14 horas, durante avaliação médica, Dra Fátima me informou que meu corpo estava a um passo (ou a alguns centímetros) do preparo ideal para o tão esperado parto.

Aquela informação foi-me mais perturbadora que o “positivo para gravidez”, que havia lido havia trinta e poucas semanas. Sentia-me profundamente arrependida de todos os meus pecados. Ou pelo menos daqueles relacionados à luxuria – que, afinal, haviam me conduzido até ali.

Eu era uma menina de dezesseis anos e, embora meu desespero pudesse ser facilmente notado na expressão do meu rosto, ninguém se apercebeu dele. È que estavam todos, futura avó, futuro pai, amigos, familiares, e até a obstetra, em verdadeiro pânico .

E estavam tão preocupados em disfarçar o próprio desespero, que nem se davam conta do que estava estampado em minha face. Até hoje lembram com admiração a destemida adolescente a caminho do parto normal.

Um médico desconhecido me examinou e disse que ainda faltava tempo. Esclareceu que a Dra. Fátima ( a minha adorável obstetra) terminaria sua consulta odontológica e viria ao meu encontro.

A essas alturas o pânico me era maior que as dores, e eu desejei arrancar todos os dentes da minha médica que se atrevia a deixar-me ali com um Dr. Qualquer, minha mãe e o pobre do futuro pai, que completaria dezessete na semana seguinte.

Mas logo estava ela no mesmo quarto que eu, sentada no sofá, e fazendo cara de paisagem, enquanto eu enchia de hematomas, com amáveis mordidas, o jovem que estava para virar pai do meu filho.

Lembro-me de que as dores eram suportáveis. Mas que eu não me sentia capaz de obedecer ao comando médico de fazer força enquanto a dor me incomodava. Acontece que a natureza demonstrou-se mais sábia. E eu consegui.

Mais um exame, mais uma força, e então seria pra valer. Dra Fátima chamou a equipe e deu o comando para que me levassem à sala de parto. Nessa hora eu nem me lembro de sentir dor. O medo ocupava a sala. Havia enfermeiros, médicos, e o jovem futuro pai que, ansioso, segurava a minha mão.

As ecografias não tinham alcançado o sexo. Seria uma surpresa, e Dra Fátima arriscou que seria uma menina.

Minhas pernas estavam cobertas e penduradas. Abertas, como se pode supor! E lembro-me da médica, novamente, me dar aquele comando absurdo para que eu fizesse força. Incrédula, levantei ligeiramente a cabeça e saquei energia de não sei onde.

Ouvi a voz da médica com certo entusiasmo repetindo: “Está saindo! Mais uma vez!”. E dessa vez a força veio com tudo, e junto um quase berro, um uivo esganiçado. E, ainda, no mesmo instante, senti as pernas dele saindo por entre as minhas. E o pediatra, recebia a criança e dizia: “Quantas mulheres fazem escândalo, e essa menina nem gritou!”

A Dra. Fátima limitou-se a dizer que havia se enganado. A mensagem estava dada. O jovem pai tinha os olhos cheios de lágrima e repetia: “É macho! É macho!”. Assim mesmo! Tão ridículo quanto se espera de um pai no nascimento do filho.

O bebê foi colocado sobre meu peito. Ele ainda não tinha nome. E eu estava feliz porque me disseram que ele tinha saúde. Sentia-me orgulhosa. Muito aliviada porque o tal do parto já tinha sido superado. E um mundo desconhecido estava representado naquele pedacinho de gente, ainda meio amassado, colocado sobre meu corpo.

Naquela noite, de quinze de junho de 1992, às 20h30, numa clínica de Brasília, minha vida tornou-se outra vida. E só ali eu pude compreender o que meu pai havia me dito quando soube da minha gravidez. Filho é para sempre.

Suposta liberdade

A bondade de se crer num destino certo é que tal crença nos alivia as responsabilidades. Se já está escrito, eu que não vou rasurar.

Mas não me atenho a essas crendices, e prefiro o árduo trabalho de tomar decisões, sempre ponderando sobre os riscos, e calculando os possíveis danos.

Eu sou adepta a tomar decisões. Mas o faço por teimosia. Elas expõem meu lado frágil, meus medos, minhas angústias. Trazem à tona o exato valor a ser pago pela liberdade que tanto prezo.

Costumo repetir a meu filho que liberdade é algo que se conquista com responsabilidade. Que ele não me ouça (não me leia), mas trata-se de balela, engodo. Responsabilidade é conceito que se assimila pelo exercício contínuo da liberdade.

A ignorância é santa, é leve, é descompromissada. Ignorar é viver.

O conhecimento é fantasia de que se é possível fazer escolhas. É viver preso à idéia de liberdade. É condenar-se ao medo da opção pelo pior caminho.

domingo, 13 de junho de 2010

Republicagem (Post do Casa no Campo de 31/05/2004)

Inspiradora dor
dor com efeito inspirador

Dor que é minha
Que dela não abro a mão
Nem deixo que solte meu coração.

Minha viagem atormentada
Delírio de madrugada
Sonhei com seu telefonema
Acordei nua, vazia, sem merecer meu perdão

Dor que eu já vivi
Saudades que eu não me permito mais voltar a sentir.
Quero arrancar esse velho retorno
História de vida que se repete
A terapia que eu não fiz
A dor por não me sentir feliz

Amor que eu deveria ter negado
Mas se o nego, faço-o a mim
Maldita terapia que eu não fiz
Amor próprio defeituoso
Carinhos que só dedico ao outro
Um outro que se esquece de mim

Nessas palavras eu me enterro
Ritual que dedico a mim
Morte aos românticos melancólicos
Quero que o Amor continue
Mas que morra a forma desvirtuada
Que aprendi a amar
E então
amar a mim, em primeiro lugar

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Desejo codificado...

Engulo as palavras “na boca”, pois usá-las em complemento, seria despir-me diante de ti.
Não entendes bulhufas do que digo agora, eu sei.
Os códigos me são imprescindíveis. Com eles nos protejo de sua sofreguidão.
Reprimo meus passos adiante para que não deposites neles a confiança que eu ainda não posso dar-lhes.
Marcho insegura em disfarces, tateando o que sinto embaixo do meu colchão.
Se tantos cuidados são, por ti, considerados demasiados, lamento por essa interpretação.
Explico-me dessa maneira estranha, para que não me compreendas. Propositalmente.
Tal metodologia, utilizo para nos proteger de mim e do que não sei. Pois, o pouco que distingo é precioso, o suficiente para que seja cuidadosamente preservado com o carinho que merece ser.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O Luto

O luto é doído demais. É uma gestação sem placenta, sem cordão, sem calor, sem mãe.
O luto é um recolhimento quase infinito. É um pouco de nós que se esvai em cada morte que não é a nossa.
O luto é o pavor da vida. É temer a morte e desejá-la profundamente.
O luto dói quase tanto quanto deixá-lo.
Despir-se do luto é renascer, mas é como matar novamente o que já morreu.
Deixar o luto é admitir a vida faltando-lhe pedaços da nossa própria alma.
A vida após o luto é a vida que sobra após cada morte.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

vasculhava meu velho blog em busca de algo que eu pudesse republicar, ou reeditar.
Encontrei um post onde citei algo que me cabe tão bem para hoje!
Na época, pelos anos de 2004, me inspirou um textinho que eu preferi descartá-lo por hora.

Mas reitero o ditado, que me cai como uma luva:

A metade de nossos erros na Vida
Vem do fato de que sentimos quando
Deveríamos pensar e pensamos
Quando deveríamos sentir

Lhurton Collins

domingo, 30 de maio de 2010

Quem é você que se esconde de mim? Porque me deixa conduzir-te pelas mãos sem mostrar-me a face. Porque me espiona, escondida sob a mesa, deixando-me curioso e assustado?

Saia desse esconderijo fajuto e me encare os olhos. Fique de pé e siga ao meu lado em marcha. Não se faça de tonta deixando que eu te arraste como se não quisesse seguir.

Deixe esse doce, esse charme, essa meninice. Guarde suas máscaras, vista-se de coragem, tire sua roupa, envolva os nossos corpos e me permita entrar.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Simplesmente ouvir...

domingo, 23 de maio de 2010

As estações da alma

A primavera da alma é quando a inspiração se instala e florescemos por meio da escrita, da composição, dos traços, da criação.

O verão é a colheita pós produção. É o calor n´alma gerado pela troca de idéias, pelas paixões derramadas em canções, pelas dores amenizadas pela forte expressão das tintas.

O outono da alma é o primeiro passo para o interior. São os dias de faxina, quando se escolhe o que deve ser preservado e o que será adequadamente descartado.

O inverno é a colheita da alma. São os tempos de recolhimento, de solidão, de escuta, de calar-se, então. Em homenagem ao silêncio hibernal, recolho-me e escuto o que me aquece o coração:

Gracias a La Vida: http://www.youtube.com/watch?v=WyOJ-A5iv5I

sábado, 8 de maio de 2010

Luiz e seu umbigo...

Os olhos de Luiz eram azuis e nada diziam além de um adocicado encanto no refletir de um céu de dias quentes. Sua beleza era simples, direta e óbvia. O seu corpo, seu cabelo, os traços da face, tudo, tudo, parecia ter sido desenhado em perfeita sintonia. E como se não fosse suficiente aquela toda perfeição, trazia uma pinta escura pouco acima de uma das sobrancelhas. Aquela macha parecia calculadamente colocada ali, numa espécie de borrão proposital, como se o artista que o desenhou, quisesse quebrar, elegantemente, o excesso de sintonia.

E Luiz cresceu assim, sem nunca suscitar qualquer dúvida sobre a sua beleza. Filho único de pais maduros. Cresceu em um ambiente de amor, com palavras doces, entre um vocabulário vasto e rico de conteúdo diversificado. Aprendia com facilidade as línguas e as histórias dos países que visitava. Luiz cresceu assim, em gradual sintonia do seu ser belo e de toda a beleza que havia no mundo que o cercava.
Aquele homem forte e alto, de queixo quadrado, olhos azuis e uma pinta na testa compunham bem qualquer ambiente. Assuntos lhe eram fluentes, seja qual fosse o contexto. Os trabalhos e as oportunidades se encaixavam no decorrer de sua vida, sempre bem adequados os desafios à maturidade que lhe evoluía.

As mulheres eram tantas, de todas as variedades de gosto e estilo. É que seu encanto era assim, atendia a todos os gostos, compunha-se com quaisquer ornamentos. Era belo, adequado, básico, unânime.

Naquela madrugada, o calor lhe incomodava. A moça de doces lábios e quadris torneados dormia elegantemente embrulhada nos lençóis cor de gelo. A janela já estava escancarada e a luz da lua roubava-lhe o sossego, e intensificava a quentura daquele quarto pequeno.

Luiz levantou-se aperreado. Correu ao chuveiro em busca de água fresca para lhe apaziguar a alma. É que aquele calor lhe tirava o sossego, desconcertava toda a sua harmonia de uma vida. Deparou-se com sua imagem no espelho do banheiro, ou com todas as imagens que ali se refletiam. Deu-se conta de que sua beleza era tão sintonizada com todo o resto que lhe cercava, tão adaptada, tão bem composta com tudo, que já não se diferenciava.

Seus olhos azuis vasculharam com certo desespero pela imagem refletida. E, por um triz, quase se deu por perdido, mesclado a todo o resto que lhe cercava. Por pouco, muito pouco, por uma gota de suor que lhe escorria a face, identificou-se enfim. A gota descia desde a testa, contornando a pinta, desenhando-lhe o pescoço, o peito, até chegar ao umbigo, onde se estagnou e fixou a atenção de Luiz a si mesmo.

E naquela poça formada no próprio umbigo, Luiz viu-se refletido com aqueles lindos olhos azuis. E eles nada lhe disseram, além de um adocicado encanto no refletir de um céu de dias quentes. E Luiz sentiu-se vazio, insignificante, insuportavelmente consciente de sua existência estéril. E foi ali, em torno de seu próprio umbigo, que Luiz voltou-se a si mesmo, e, finalmente, saiu de si, e se destoou do mundo e pode, então, acrescentar-se àquele mesmo mundo.

domingo, 2 de maio de 2010

Você se lembra daquela garrafa de vinho? A primeira das nossas... A noite fria, aquela varanda arborizada, a luz das velas. Eram tantas as malhas para acobertarem do frio. Eram tantos os assuntos. Era quente aquela noite fria.
Os corpos eram bons. O tinto orquestrava cada membro em movimento perfeitamente sintonizado. Ou, quem sabe, o álcool simplesmente adormecia os sentidos e impedia a percepção de qualquer descompasso.
Seja como for, lembro-me mais das preliminares, talvez pela sobriedade que ainda restava. E não eram regadas de toques, línguas, ou carícias insinuantes. Eram palavras, conversas que pareciam transbordar a noite de idéias. E quantas idéias, e quantas interrogações; e algumas supostas respostas. E como aquelas palavras, tão cheias de sentido, davam gradativamente destino ao nosso encontro.
Até que a madrugada, o vinho, o frio, as palavras, as ideias, nada mais existiam. Apenas eu e você. Como se fossem, tudo aquilo, apenas instrumentos do objetivo maior: o amor, o encontro.

domingo, 25 de abril de 2010

Sento-me diante da tela branca e nenhum desenho me vem. Tudo está embaçado. É o sono que me retira as idéias. Bom sinal. A noite há de ser tranquila e bem dormida, como deveriam ser todas as outras que assim se negam ser... O vazio de palavras que não me deixam encher o papel é o mesmo que apazigua a mente. O ócio deve ser mesmo a moradia do diabo, e o diabo é que agita a vida. Por outro lado, a labuta adestra entediosamente.

Entre um bocejo e outro, suponho recordar de um borbulhar de idéias que noutros tempos não cabiam numa só caixola. E agora, corpo e mente, cansados, neutralizam aquele "eu" subversivo. Domesticada, abraço o travesseiro e rendo-me ao envolvente Morfeu...

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Eu me lembro bem dos seus olhos. Eles eram de alguma cor amendoada. Aliás, não só a cor, mas seus contornos também o eram. Assim, como duas amêndoas que refinavam o restante do rosto que era bem rústico.

Ele nunca foi um sujeito de traços belos. Era encantador como um todo. Tinha aquele tipo de charme que não se sabe de onde vem. Talvez fosse o seu descompromisso com o belo. Aquela elegância de quem está bem consigo. Mesmo que seja uma bela bravata.

A aparência de estar-se bem consigo, quando não se torna um exibicionismo ridículo, pode ser um jeito bem interessante de se atrair o outro. Deve ser porque é algo que se deseja por aí. Quem não busca sentir-se bem com a própria companhia?! A fantasia de que o outro detém aquilo que precisamos é o que nos atrai, nessa busca de alguma completude.

Eu fantasio isso naqueles olhos. Aquelas amêndoas descompromissadas. Aquela doçura discreta, entremeada em um semblante que não é propriamente embrutecido, mas também não se deixa dizer o que é. Não é doce. Não é amargo. Apenas elegante. Amendoado.

domingo, 18 de abril de 2010

Começar de novo...

São 2h. Não consigo mais acessar a edição do meu velho e abandonado blog, "Casa no Campo da Cabral" http://www.casanocampodacabral.blogger.com.br/. Às vezes, a vida virtual imita a vida real. Há coisas que o tempo torna inacessível, seja porque descuidamos delas, seja porque simplesmente mudamos e nos tornamos mutuamente inacessíveis. Pode ser que simplesmente perdemos o desejo de nos esforçar para acessar certas coisas. Deixamos pra lá. Quem sabe um dia, num insite psicanalítico, nos conectaremos novamente com as coisas esquecidas. Quem sabe, em algum dia...
Esse blog, assim como acontece na catarse, será fruto de uma prática, quase sem fim, de falar, de deixar vir, de exercitar essa pseudo consciência das coisas. E, supostamente, se libertar e ser algo em si...
Infelizmente, não creio nessa liberdade plena, por isso, o "pseudo"...