Catarse(...)1. Purgação, purificação, limpeza. (...) 3.Psicol. Efeito salutar provocado pela conscientização de uma lembrança fortemente emocional e/ou traumatizante, até então reprimida. 4. O efeito moral e purificador da tragédia clássica, conceituado por Aristóteles, cujas situações dramáticas, (...), trazem à tona o sentimento de terror e piedade dos espectadores, proporcionando-lhes o alívio, ou purgação, desses sentimentos.(...) Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1986)

sábado, 22 de junho de 2013



Minha posição sobre a Proposta de Emenda à Constituição nº 37.

Uma amiga, que estava em dúvida sobre como se posicionar sobre a PEC 37, me pediu opinião e esclarecimentos.
Eu corri atrás de posições favoráveis à PEC, mas não encontrei nenhuma que fosse honesta e convincente. Não que os argumentos tenham sido mentirosos ou de gente desonesta. Mas nenhum me apresentou argumentos capazes de me convencer de que a possibilidade do Ministério Público também investigar pudesse causar prejuízo ao interesse público. Ao contrário, li o levantamento de questões importantes para serem debatidas, mas que fogem ao texto da Emenda 37 e sua efetiva consequência jurídica.
Antes de tudo, alguns pontos a serem esclarecidos, objetivamente.
1)      A interpretação dada hoje ao texto constitucional (correta ou não) é que o Ministério Público pode diligenciar ele próprio em investigações criminais.
2)      A aprovação da PEC 37 altera essa interpretação. Pois o que hoje considera-se implícito (o poder investigatório do MP), será expresso em sentido contrário. O novo texto proposto pela Emenda 37 deixará claro no texto constitucional que a investigação criminal será atribuição apenas das polícias.
3)      Portanto, toda e qualquer discussão sobre aprovação ou não da PEC 37 deve se limitar às seguintes questões:
a) É de interesse público que o Ministério Público também possa investigar, sem prejuízo da investigação policial? (Esse é o entendimento que tem prevalecido hoje sobre a interpretação da Constituição);

b)É de interesse público que só a polícia possa investigar e, se necessário, o Ministério Público deverá requerer às polícias eventual diligência que entender necessária. (Essa é regra que irá viger após eventual aprovação da PEC 37);

4)      É simples assim. A PEC 37 não vai mudar qualquer garantia dos membros do Ministério Público. Todas as demais prerrogativas e garantias continuarão as mesmas. Portanto, se alguém que estiver discutindo com você sobre esse tema, desviar o assunto para o excesso de prerrogativas do MP, não se deixe iludir. Essa é uma discussão extremamente importante. Mas não tem absolutamente nada a ver com PEC 37.

Em síntese é o que eu disse acima. Abaixo apresento meus argumentos.

Inicialmente não vou discutir se é correta a interpretação dada à Constituição em seu texto atual. Isso pouco importa quando estamos tratando de defender ou não um texto que inova a Constituição.
Explico. A propositura de uma emenda deve se submeter a uma análise de sua compatibilidade com o sistema constitucional. Significa dizer que uma emenda constitucional não pode contrariar aqueles direitos e princípios que a própria constituição estabelece como imutáveis. As cláusulas pétreas.

A constituição é a lei maior. Qualquer lei, decreto ou medida provisória deve, antes de tudo, estar de acordo com a Constituição. Algumas vezes a própria Constituição permite que a lei restrinja direitos garantidos por ela. Um exemplo é o inciso XIII do artigo 5º, que diz “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Nesse exemplo, a Constituição diz que o exercício da profissão é livre, mas autoriza o legislativo a criar leis que restrinjam a atuação aos que detêm determinada qualificação. Se uma profissão não tem lei que o faça, seu exercício será livre. Por outro lado, se houver lei que estabeleça qualificação, esta deve ser atendida.

Mas estamos falando de Emenda à Constituição. Trata-se da possibilidade de mudar a própria Constituição. Para tanto a própria lei fundamental estabelece regras: primeiro quanto ao procedimento nas casas legislativas, que deve seguir um processo mais dificultoso e rígido do que a legislação infraconstitucional. Segundo, não pode haver emenda que altere as chamadas cláusulas pétreas.

Não vou me aprofundar nesse tema porque minha posição é política e não jurídica, mas estou esclarecendo porque tenho visto defensores da PEC 37 utilizando-se de retórica jurídica desnecessária ao caso: falácias.

É que é totalmente desnecessária, na defesa do meu posicionamento, qualquer discussão sobre a constitucionalidade ou não da PEC 37.  Portanto, apresento meus argumentos sob o pressuposto de que a PEC 37 é, ou pode ser, constitucional.

Inicialmente, vamos ao texto da PEC:

Art. 1º O art. 144 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte §10
“Art 144 ...
§10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente. “ 

Hoje a Constituição Federal não é expressa quanto aos poderes do Ministério Público para investigar. Por outro lado, também não o proíbe.

O Supremo Tribunal Federal entende, pelo texto constitucional hoje vigente, que é permitido ao Ministério Público diligenciar em investigações, sem prejuízo das atividades policiais. Ao fim desse texto, deixo link para os trechos de informativo de jurisprudência para quem se interessar pelos fundamentos daquela Corte.

O texto proposto pela Emenda Constitucional 37 atribui privativamente às polícias, federal e civis, a atribuição privativa para as investigações de infrações penais.

Vou explicar de modo geral e didático. Quando o texto constitucional fala em “privativo”, significa dizer que é restrito àquela instituição, ou seja, apenas as polícias poderão apurar as infrações penais: conduzir as investigações.

Na interpretação de textos legais, o termo privativo tem um significado muito próximo do termo exclusivo. Por exemplo, no caso do art. 129, inciso I da Constituição: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”.

Nesse caso, pertence, em regra, apenas ao Ministério Público a atribuição de ajuizar a ação penal pública. Somente quando o Ministério Público for omisso, a lei (conforme permitido pelo texto constitucional) autoriza ação de iniciativa privada, chamada de ação penal privada subsidiária da pública.

Veja os dispositivos do Código penal:

Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.
(...)
§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

E do Código Processual Penal:
Art. 29.  Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal. 

Tudo isso para não deixar dúvidas de que o texto da PEC 37, se aprovado, vai alterar a interpretação atual do texto constitucional, ao atribuir privativamente as investigações às polícias.

Se hoje a possibilidade do Ministério Público investigar as infrações penais está implícita no texto constitucional, após a eventual aprovação do texto proposta na PEC, será vedado ao Ministério Público, já que haverá texto expresso estabelecendo que tais diligências são privativas da polícia.

Também faço questão de esclarecer um argumento que li entre os tantos espalhados pela internet. Li defensores da PEC dizendo que é necessário regulamentar as ações investigativas, estabelecer regras claras sobre esses procedimentos, com o objetivo de preservar as garantias do investigado.

Nesse ponto, também chamo a atenção para a relevância do tema. Concordo plenamente com essa necessidade. Mas, mais uma vez, a PEC 37 não cuidará desse regulamento. Se houver dúvida sobre isso, basta subir no texto e reler o seu inteiro teor.

Aliás, pela metodologia constitucional mais sensata, não cabe ao texto constitucional se desdobrar em regulamentações. Basta a propositura de uma norma infraconstitucional que trate detalhadamente do assunto.

Minha posição: eu sou contra a aprovação da PEC 37 porque ninguém conseguiu me apresentar um argumento que me convença do interesse público em limitar as investigações penais apenas às polícias.

Por outro lado, encontro alguns argumentos que me convencem de que há total  interesse público em que o Ministério Público possa continuar investigando, quando for necessário à instrução das ações penais.

Imagine só, o Ministério Público ter que conduzir toda a ação penal, limitado àquilo que a polícia lhe fornecer. E, cuidado, requisitar diligências é muito diferente de diligenciar.

O membro do Ministério Público, geralmente conhecido por nós como o promotor público, tem a garantia da independência funcional. Significa que para acusar alguém de homicídio, por exemplo, esse promotor deve estar convicto de aquelas provas colhidas são suficientes para tal acusação. Ao contrário, como iria o promotor diante do juiz e da população (júri),  sentir-se seguro para acusar o réu?

O promotor público não está hierarquicamente subordinado a ninguém em sua atuação. Ele é livre para atuar, independente de determinação de um chefe hierárquico ou de um chefe de um dos poderes (legislativo, judiciário, executivo).  

Ora, não sou inocente a ponto de acreditar que essa autonomia é totalmente real. Todos sabemos que a própria estrutura constitucional dos poderes permite manipulações políticas entre eles (os três poderes) e entre eles e o Ministério Público.

Ocorre que em sentido completamente oposto a essa autonomia legal do Ministério Público, temos a primazia da hierarquia que prevalece na polícia. O poder executivo é o chefe das polícias. E, ao contrário do Ministério Público, a regra básica da instituição Polícia é a subordinação hierárquica.

Não posso deixar de abordar as suspeitas (ou acusações) existentes em parte da mídia,  de que promotores, ou até mesmo o Procurador Geral da República atual, vez ou outra engaveta processos para não seguir adiante nas denúncias que vão contra o interesse de alguns.

De novo, isso nada tem a ver com a PEC 37.

Se isso acontece no Ministério Público, em uma instituição policial, onde a força hierárquica é muito mais intensa, deve acontecer tanto ou mais. Quanto mais entidades com poder investigatório, melhor. Se um engaveta ali, pode ser que outro conduza adiante dali.

Além disso, a interpretação atual do texto constitucional em momento algum tira, ou limita, o poder investigatório da polícia em favor das investigações pelo Ministério Público. Apenas permite que o Ministério público atue  de forma harmônica com as investigações policiais, complementando a colheita de provas e instruindo melhor o processo.

Apenas para dar uma enxertada no argumento, aponto que se você fizer uma pesquisa de jurisprudência no sítio do STF, vai perceber que a discussão sobre a possibilidade ou não do Ministério Público atuar sempre vem da intenção dos réus em anular provas alcançadas pela promotoria.

Sugere-se que a atuação do Ministério Público, diferentemente do que ocorre com a ação da polícia, não está sujeita a controle externo. Desculpe-me, mas acho graça, logo a polícia, com ampla experiência em alcançar provas ilegais e desrespeitar direitos dos investigados, utilizar-se desse argumento.

Mas posto em discussão, vou rebater. As provas colhidas pelo Ministério Público ou pela polícia estão durante todo o transcurso do processo penal, sujeitas a análise e controle do judiciário. Assim, se a prova for alcançada de forma ilegal, seja pela polícia, seja pelo ministério Público, será passível de anulação.

E, de novo, se a discussão for sobre o excesso de poder do Ministério Público e a falta de controle externo das atividades daquele órgão, eu topo discutir, mas fora daqui. Essa discussão é sobre a aprovação ou não da PEC 37.

E no que se refere à colheita de provas e atos investigatórios do MP, não há dúvidas de que haverá controle pelo judiciário, o mesmo que há para os atos investigatórios da polícia.

Mas ainda estou aberta a ouvir defesas e motivos que expliquem o interesse público em limitar as investigações apenas à polícia, afastando o Ministério Público dessas investigações. 

Ana Cabral. SP, 22/06/2013

Posicionamentos recentes do STF sobre o tema. Apenas para quem quiser saber sobre a interpretação atual do texto constitucional.
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28Minist%E9rio+P%FAblico+Poder+investigat%F3rio%29&base=baseInformativo&url=http://tinyurl.com/m52vp47

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