Catarse(...)1. Purgação, purificação, limpeza. (...) 3.Psicol. Efeito salutar provocado pela conscientização de uma lembrança fortemente emocional e/ou traumatizante, até então reprimida. 4. O efeito moral e purificador da tragédia clássica, conceituado por Aristóteles, cujas situações dramáticas, (...), trazem à tona o sentimento de terror e piedade dos espectadores, proporcionando-lhes o alívio, ou purgação, desses sentimentos.(...) Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1986)

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Contrapesos

O que sentia por sua irmã Sofia transcendia o amor. Admirava sua altivez, o olhar certeiro, as palavras oportunamente debruçadas sobre qualquer argumento que lhe fosse contrário. A disposição diária de conquistar seu espaço, seus direitos, sua vida.

A personalidade da irmã impunha um clima de atrito constante naquela família. Luíza era uma de duas filhas de um casal puritano, em um lar que se pretendia severo e silencioso, sob uma roupagem mal ajambrada que gostavam chamar de harmonia.

Mas a irmã Sofia não alterava o tom, dando todos os créditos às tradicionais honrarias. Aos pais, sempre os vocativos: senhor e senhora. Não dava chilique, não saía escondida e Luíza só a vira chorar na ocasião em que Bob, o estimado cachorro, deixou a família. Ainda assim, fora um choro discreto, recolhido num quarto escuro e debulhado sobre uma velha fotografia.  

Sofia era imbuída dessa paixão. O seu alimento diário era a guerrilha, sempre firme, tenaz, sóbria, insistente em suas peleias.

Se um dia argumentava sobre o direito a casar-se com o poeta da praça, no outro sacava a espada da solidão. Se quisesse, quem a impediria de ser só, de não ter filhos e de pertencer apenas ao mundo e ao acaso?! Essa era a sua alegria, sua causa, o sentido que deu à sua vida.
Luíza sentia-se abençoada (essa era a palavra certa) por ter Sofia como sua irmã. Sofia trazia vida, o novo, o frio na barriga, o desconforto mesmo entre aquelas poltronas e cortinas que lhes impunham tanto aconchego.

Sentia também por Sofia, um agradecimento profundo. Luíza não queria nada além do que a vida lhe oferecesse. Sequer sentia-se capaz de sentir-se apaixonada, nem mesmo pelo seu noivo, Antônio. Apenas aceitava. As regras, o amor incondicional de seus pais, suas intransigências, frustrações, seus silêncios, e suas presenças vazias. Para ela o ser e o estar lhe bastavam.
Nenhum desconforto lhe cabia, nem as coisas como eram, tão pouco as mudanças conquistadas por Sofia. Luíza aceitava, admirava a irmã e agradecia. Pois tendo ela, Sofia, assumido as conquistas da rebeldia, a Luíza restou todo o perene regozijo de ser a boa menina. 

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