O que sentia por sua irmã Sofia
transcendia o amor. Admirava sua altivez, o olhar certeiro, as palavras
oportunamente debruçadas sobre qualquer argumento que lhe fosse contrário. A
disposição diária de conquistar seu espaço, seus direitos, sua vida.
A personalidade da irmã impunha
um clima de atrito constante naquela família. Luíza era uma de duas filhas de um
casal puritano, em um lar que se pretendia severo e silencioso, sob uma
roupagem mal ajambrada que gostavam chamar de harmonia.
Mas a irmã Sofia não alterava o
tom, dando todos os créditos às tradicionais honrarias. Aos pais, sempre os
vocativos: senhor e senhora. Não dava chilique, não saía escondida e Luíza só a
vira chorar na ocasião em que Bob, o estimado cachorro, deixou a família. Ainda
assim, fora um choro discreto, recolhido num quarto escuro e debulhado sobre uma
velha fotografia.
Sofia era imbuída dessa paixão. O
seu alimento diário era a guerrilha, sempre firme, tenaz, sóbria, insistente em
suas peleias.
Se um dia argumentava sobre o
direito a casar-se com o poeta da praça, no outro sacava a espada da solidão.
Se quisesse, quem a impediria de ser só, de não ter filhos e de pertencer
apenas ao mundo e ao acaso?! Essa era a sua alegria, sua causa, o sentido que
deu à sua vida.
Luíza sentia-se abençoada (essa
era a palavra certa) por ter Sofia como sua irmã. Sofia trazia vida, o novo, o
frio na barriga, o desconforto mesmo entre aquelas poltronas e cortinas que
lhes impunham tanto aconchego.
Sentia também por Sofia, um
agradecimento profundo. Luíza não queria nada além do que a vida lhe oferecesse.
Sequer sentia-se capaz de sentir-se apaixonada, nem mesmo pelo seu noivo,
Antônio. Apenas aceitava. As regras, o amor incondicional de seus pais, suas
intransigências, frustrações, seus silêncios, e suas presenças vazias. Para ela
o ser e o estar lhe bastavam.
Nenhum desconforto lhe cabia, nem
as coisas como eram, tão pouco as mudanças conquistadas por Sofia. Luíza
aceitava, admirava a irmã e agradecia. Pois tendo ela, Sofia, assumido as
conquistas da rebeldia, a Luíza restou todo o perene regozijo de ser a boa
menina.
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